sábado, 24 de setembro de 2016

UM RELATO SOBRE ELA


São 4h10, a madrugada escura e fria anuncia que todos estão dormindo, sonhando coisas aleatórias e talvez sem sentido. Eu não. Meu despertador toca às 4h10. As 4h30 eu deixo a água quente escorrer pelo meu corpo, numa tentativa completamente sem fundamento de despertar meu corpo. Meu corpo, porque a mente está a mil por hora mesmo em sonho. Eu sonho com o que deveria estar fazendo acordada. Por que foi que eu dormi mesmo? Ontem eu cheguei meia noite e meia, meu irmão estava dormindo. Aliás qual é mesmo o som do riso do meu irmão? Acho que não lembro.


E ai, eu a sinto. Vem como um soco, bem no centro do estômago, meu coração parece sair pela boca tamanho o aperto que sinto no perto. Eu antecipo, prevejo que não entregarei aquele trabalho de conclusão da faculdade semana que vem, prevejo que meu aluno vai derrubar tinta na roupa e que meu inglês vai sair em francês na frente do meu chefe. Prevejo que ao pegar o metro, ele vai parar embaixo do túnel e me deixar lá, no escuro. Talvez apareça um palhaço ou dois, pra me lembrar da minha ridícula clownrofobia e para terminar talvez eu estivesse com dois palhaços num avião sem paredes olhando pra baixo, sim também tenho aerofobia. Nada sai como o esperado, os planos escorrem entre meus dedos. Meu chão se esvai. Tudo isso as 4h10 da manhã.

Às 5h o trem passa, as almas vazias se sentam sem observar as pessoas ao redor, e ela vem novamente, um filme sobre tudo que não entreguei, sobre prazos, sobre acontecimentos que foram inesperados passam pela minha mente. Ela vem e eu só posso respirar fundo e ignorá-la, ela está ali ao meu lado todos os dias, espreitando, observando meus passos e esperando o momento crucial do ataque, eu a ignoro, talvez se a ignorar todos os dias, em todos os momentos, ela suma.

Às 7h eu chego, me perguntam se eu estou bem e ela está ali me cutucando, então desabo, as lágrimas vem sem serem convidadas e escorrem pelos meus olhos por alguns segundos. Eu as enxugo. Ela está ali, ao meu lado, rindo da estupidez da situação, rindo porque eu mesma estou me preenchendo disso, de esperar demais e me sufocar com as minhas própria expectativas. Ela ri. Eu me recomponho rapidamente, me viro e sorrio: Está tudo bem. E respiro fundo. Está tudo bem, fecho os olhos e continuo o dia. Está tudo bem.

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